“A vida é muito mais do que as
representações que dela fazemos”
Antônio Vidal Nunes
“ Não se preocupe em “entender”.
Viver ultrapassa todo o entendimento.”
Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, de Clarice Lispector.
Reflexões à luz da Filosofia Clínica: Submodos
A construção de linguagem é, acima de tudo, o projeto existencial das personagens de Clarice Lispector. A escritura comprometida com o ser e com a linguagem supera em sua obra a filosofia existencial. “O Universo do homem é a sua Linguagem.” Em Clarice Lispector o ser se retrata na figura de uma personagem feminina, o mundo visto sob a ótica da mulher. Eis a proposta deste trabalho: aceitar o convite da autora, sob a fala de sua personagem em “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres:” Renda-se, como eu me rendi / Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.” Por meio da Análise da Linguagem como um método apropriado para dissolver os seus equívocos (Wittgenstein), a Filosofia Clínica se apresenta como terapia.
A metáfora na obra de Clarice Lispector é uma constante. A personagem Lóri em Recíproca de Inversão busca a essência do homem amado, o professor de Filosofia, Ulisses. Lóri busca entender a vida retratada como “a origem da Primavera” e, “a morte necessária em pleno dia”. No item 22 da Tábua de Submodos encontra-se o Vice- Conceito e, por meio deles Clarice Lispector, em Lóri, sua personagem, exercita o que está em seu interior, ao se apropriar da linguagem figurada,. Minorando o seu próprio sofrimento, dizendo de outro modo, o indizível. Segundo Packter, “ o Vice- Conceito nos permite falar do que não podemos falar”... “... sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, ( Pré-juízo), faz de conta que a infância era hoje ( tempo subjetivo) e prateada de brinquedos. (.....) “precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contratasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada. São algumas abordagens, entre muitas outras que permeiam a obra . Na linguagem de Lóri, as metáforas presentes desempenham um papel fundamental no processo de desconstrução... A dúvida que alimentava sobre a veracidade do amor de Ulisses se dissipa pouco a pouco...” pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.”Quando Lóri percebe que nada se passara dizível em palavras escritas ou faladas, lembrou-se “ era bom aquele sistema que Ulisses inventara:o que soubesse ou não pudesse dizer, escreveria e lhe daria o papel mudamente... ( “Semiose). Lóri estava cansada do esforço animal libertado... “ e agora chegara o momento de decidir se continuaria ou não vendo Ulisses. (Esquema Resolutivo) . Já em interseção positiva consigo mesma e ao percepcionar o seu próprio corpo, Lóris o faz por meio de Deslocamentos Curtos , se apossando dele e, com ele , estabelecendo interseção...O segundo tópico da EP “ O que Pensa de Si Mesmo”, é mensurado em Lóris já em autogenia, quando olhando-se avidamente de perto no espelho e dizendo deslumbrada: “ como sou misteriosa, sou tão delicada e forte, e a curva dos lábios manteve a inocência” , percebe então o que Ulisses chamaria de “ o gosto de ser”. “ Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna:” ah, então é verdade que eu não imaginei: eu existo.”Já em interseção positiva com Ulisses, usando de sua Esteticidade, Lóris diz: “ Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba ( Em Direção ao Termo Universal) versus a minha extrema individualidade de pessoa, mas seremos um só.” ( Em Direção ao Termo Universal).. O trabalho não se propõe a analisar toda a obra, mas parte dela, com o objetivo de mostrar a Linguagem usada por Clarice Lispector em seus diversificados processos terapêuticos. Aqui foram trabalhados alguns Submodos que usados na desconstrução de conflitos existenciais mostrados na rede da estrutura de Pensamentos da personagem, possibilitaram a ela, Lóris, a continuação da Busca existencial que a faz viver em paz. Quando interrogada por Ulisses sobre o amor, Lóris lhe responde:” Não sei, meu amor; mas sei que meu caminho chegou ao fim: quer dizer que cheguei à porta de um começo.” E num momento de grande interseção: “Profundamente sou aquela que tem a própria vida e também a tua vida. Eu bebi a nossa vida.”